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Editado por Harlequin Ibérica.

Uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Núñez de Balboa, 56

28001 Madrid

 

© 1999 Dixie Browning

© 2018 Harlequin Ibérica, uma divisão de HarperCollins Ibérica, S.A.

Um cavalheiro perfeito, n.º 378 - maio 2018

Título original: A Knight in Rusty Armor

Publicado originalmente por Silhouette® Books.

 

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor, incluindo os de reprodução, total ou parcial.

Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Books S.A.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, carateres, lugares e situações são produto da imaginação do autor ou são utilizados ficticiamente, e qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, estabelecimentos de negócios (comerciais), feitos ou situações são pura coincidência.

® Harlequin, Harlequin Desejo e logótipo Harlequin são marcas registadas propriedades de Harlequin Enterprises Limited.

® e ™ são marcas registadas por Harlequin Enterprises Limited e suas filiais, utilizadas com licença.

As marcas em que aparece ® estão registadas na Oficina Española de Patentes y Marcas e noutros países.

Imagem de portada utilizada com a permissão de Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos estão reservados.

 

I.S.B.N.: 978-84-9188-346-3

 

Conversão ebook: MT Color & Diseño, S.L.

Sumário

 

Página de título

Créditos

Sumário

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Se gostou deste livro…

Capítulo Um

 

 

 

 

 

Travis Holiday levantou o pé do acelerador antes de passar por um troço de estrada coberto de areia, que a tempestade tinha trazido da praia. Queria chegar a casa antes do anoitecer, embora não tivesse pressa nenhuma. Vivia sozinho e podia entrar e sair sem ter que dar explicações a ninguém.

Trav ligou o rádio e começou a cantarolar, com a sua agradável voz de barítono um pouco desafinada. Com a mão, tentava limpar e desembaciar o pára-brisas, mas o vidro estava riscado devido à areia e ao sal de tantos anos a viver junto à costa.

– Na estrada outra vez… – continuava a cantar, após ter ouvido as estrofes.

Apesar do tempo ter piorado, o dia estava a correr melhor do que aquilo que esperava. O seu primo Harrison, cuja existência desconhecia até há poucos meses atrás, afinal, era uma pessoa agradável. Na verdade, até eram muito parecidos; a mesma altura, a mesma cor de pele, as mesmas feições. Ultimamente, pensava muito na sua família e nas suas raízes. Nunca, até então, tinha perdido tempo a pensar nisso, mas as coisas tinham mudado desde que soubera que tinha um filho. Uma vez passada a surpresa, tinha começado a pensar na responsabilidade e no futuro. Se o seu filho tivesse filhos e se, por sua vez, estes também os tivessem…

– Que raio…! – exclamou, carregando no travão. A carrinha deslizou perigosamente, não batendo por um triz. Trav baixou o vidro e pôs a cabeça de fora para ver quem tinha sido o idiota que tinha estacionado no meio da estrada. Mas não se pôs a gritar. Nem sequer buzinou. Se tinha aprendido algo durante os vinte anos em que tinha pertencido à guarda-costeira, fora a ser disciplinado. Até mesmo quando um imbecil estacionava o carro no meio de uma estrada estreita e num dia de chuva. Trav ficou a olhar, durante cerca de um minuto, para a forma como uma louca atacava furiosamente o carro, um velho carocha amarelo com tecto de lona. Não era a primeira vez que via alguém pontapear um pneu furado, mas era a primeira que via alguém bater num carro com uma mala. Se bem que não pudesse culpar a mulher. Afinal de contas, é normal uma pessoa enervar-se ao ficar preso no meio de uma tempestade e com a noite prestes a cair, pensava ele.

Afastando a sua carrinha da estrada o mais que pôde, Trav desligou o motor, levantou a gola do blusão de cabedal e abriu a porta, lutando contra o vento que ameaçava fechá-la com um golpe. Louca ou não, aquele não era o sítio mais apropriado para uma mulher estar sozinha. A ilha de Hatteras era um lugar relativamente seguro, sobretudo naquela época do ano em que havia poucos turistas, mas…

– Senhora? – a mulher parecia não o ter ouvido. – Senhora? – tornou a dizer, tentando fazer-se ouvir entre o ruído do vento e da chuva. Estava a poucos metros dela, quando a mulher se virou. Já tinha visto aquela expressão antes, em muitas das suas missões de resgate. Medo, angústia, terror. O que via naquele momento era uma mulher com o cabelo ensopado, de olhos esbugalhados e com o nariz vermelho. – Escute, senhora, pode… – começou ele a dizer. A mulher segurava a mala com toda a força. «Não estava a pensar que ele a iria roubar, pois não?», perguntava-se Travis. – Não lhe quero fazer mal – acrescentou, levantando as mãos para que visse que não estava armado. Na realidade, ela parecia muito mais perigosa do que ele, pensava ao vê-la segurar aquela mala que tinha usado como arma letal contra o coitado do carro. – Você, está encharcada. Não tem porque permanecer aqui… – continuou a dizer. A mulher estava a chorar ou prestes a fazê-lo. Trav tinha uma manta na carrinha, mas não lhe agradava a ideia de a deixar sozinha. Tinha a expressão de quem se podia atirar ao mar de um momento para o outro. Já tinha visto as reacções mais incríveis de pessoas em estado de choque. Ela continuava a olhar para ele sem dizer nada e ele devolvia-lhe o olhar, para a convencer de que apenas a queria ajudar. Mas não estava a resultar. – Senhora, sente-se bem? – perguntou. Era uma pergunta sem lógica, obviamente. A boca da mulher tremia e Trav deu um passo atrás. Pela forma como o olhava, Trav tinha pensado que ela se iria atirar para os seus braços. Mas ela não se mexia. Com aquela tempestade, devia ter interpretado mal a expressão dela. Não seria a primeira vez que se enganava com uma mulher. – Senhora, não devia ter parado o carro no meio da estrada. Ainda vai provocar um acidente – insistiu. Ela continuava a olhar para ele sem dizer nada. – Vamos ter que tirar o seu carro daqui. Acha que o consegue desviar se eu o empurrar?

Finalmente, a mulher pareceu reagir e baixou a mala, que segurava como se fosse um escudo.

– Claro que o posso desviar. Vai empurrá-lo com a sua carrinha?

– Talvez seja melhor – respondeu ele, tentando não parecer sarcástico. O que é que ela pensava que ele ia fazer? Empurrá-lo com as mãos? – Tentarei ter cuidado, mas é possível que fique com alguma amolgadela.

– O que é que quer que faça?

– Entre no carro e ponha-o em ponto morto. Quando eu começar a empurrar, vire o volante para o seu lado direito, mas tenha cuidado para não sair da estrada. Está bem? – perguntou. Ela concordou, mas sem se mexer, até que Trav lhe abriu a porta do carro. Quando entrou e Trav fechou a porta, tocou com a mão no seu casaco encharcado.

Não era nenhum perito, mas aquele casaco parecia ser de caxemira. A pobre mulher devia estar gelada, pensava ele enquanto se dirigia para a carrinha. O carro dela iria ficar com uma grande amolgadela, mas era preferível isso do que sofrer um acidente. Além disso, era um carro tão velho que não seria nenhuma tragédia. Com cuidado, Trav empurrou o carro amarelo para um dos lados da estrada e, como a mulher não saía, aproximou-se da janela.

– Senhora, não pode ficar aí. A maré está a subir e com o vento de Nordeste, é um risco demasiado grande. Vamos ter que chamar o reboque.

Na realidade, não acreditava muito que pudesse encontrar um numa noite daquelas, mas o melhor seria levar a mulher para que pudesse mudar de roupa, pensava ele enquanto a ajudava a entrar na carrinha e guardava a mala dela no banco de trás.

Enquanto conduzia, olhava para ela de relance. Não havia muita claridade para ver os detalhes, mas não era preciso. Habitualmente, fixava mentalmente as feições das pessoas: idade? Entre trinta e cinco e quarenta anos. Olhos, cinzentos. Ou melhor, uma mistura entre azul e cinzento, era difícil constatá-lo com aquela luz. Quanto ao nariz, era pequeno, fino e estava vermelho. Maçãs do rosto bem salientes, mas também podia ser que tivesse a cara muito magra. Ela era magra, mesmo muito magra. Como uma modelo em dieta. Mas tinha o pressentimento de que a sua história seria mais complicada do que isso, embora não a quisesse ouvir. Apesar de estar reformado, Trav tinha pertencido à guarda-costeira durante muitos anos e, se se encontrava com alguém que precisava de ajuda, prestava-a, mas sem ter que ouvir os seus problemas. Para isso existiam os psicólogos, pensava.

– Onde é que quer que a deixe? – perguntou.

Ela disse-lhe o nome de um restaurante que ficava no outro lado da ilha. Trav ainda não o conhecia, mas tinha ouvido dizer que era muito bom.

– Não tenho a certeza, mas é possível que esteja fechado no Inverno.

– Ofereceram-me lá trabalho.

Trav não sabia quem era aquela mulher, mas o que sabia era que as empregadas de mesa não apareciam em Hatteras em pleno Inverno, com casacos de caxemira e com aspecto de estarem perdidas e esfomeadas.

– Tem a certeza? Aqui não há muito trabalho nesta época do ano.

– Faça o favor de me levar lá… Se não for demasiado longe. Por favor – pediu ela com voz rouca.

Se tivesse um pouco de juízo, levá-la-ia ao médico. O único problema era que o médico estava de cama com gripe, como tinha descoberto no dia anterior, ao levar um dos seus vizinhos para uma consulta.

– Quem é que a contratou? – perguntou ele. Ela olhava-o, como se falasse chinês. – Quero dizer, com quem é que falou? Se quiser, podemos telefonar.

Ela tirou uma agenda da mala e deu-lhe um número, que Trav marcou no seu telemóvel. Tal como Trav tinha imaginado, uma mensagem no atendedor de chamadas informava que o restaurante estaria encerrado durante o Inverno.

– Meus Deus – suspirou a mulher. Trav teve que resistir à tentação de lhe colocar a mão no ombro. – Será que podia telefonar para este outro número? É de uma amiga minha – disse, procurando-o na agenda.

Trav tornou a tentar, mas também foi parar ao atendedor de chamadas. Uma alegre e irritante voz de mulher pedia para deixarem mensagem.

Naquele momento, tinham entrado em Buxton e estavam a um quilómetro da casa dele, mas a última coisa que desejava era levá-la para lá. O quarto que seria de Matthew, quando a sua ex-mulher o deixasse vir visitá-lo, ainda não tinha chão e quase não tinha móveis.

A mulher tremia. Trav tinha ligado o aquecimento do carro e pelo pescoço escorriam-lhe gotas de suor, mas imaginava que, com aquelas roupas molhadas, ela estaria gelada.

– Ouça, vou levá-la para minha casa até que encontremos essa sua amiga. Acha bem? A propósito, chamo-me Travis Holiday – acabou por dizer. Ela olhava para ele desconfiada e Trav tirou os seus documentos do bolso do blusão. – Comandante reformado do serviço da guarda-costeira… Se quiser, e se assim se sentir mais tranquila, posso chamar a minha vizinha para que fique consigo.

A sua vizinha era a senhora Cal, que sofria de artrite, tinha quase noventa anos e viva com um cão surdo, mas não lhe contou isso.

– Tem uma aspirina? – perguntou a mulher, com a voz cada vez mais rouca.

– Sim, claro. Em casa. Vou preparar-lhe algo quente assim que chegarmos.

 

 

Ruanna já tinha passado por situações mais embaraçosas, mas não se lembrava quando. Tinha conduzido durante toda a noite, sentindo-se mais doente a cada quilómetro. Se tivesse dinheiro, teria passado a noite num hotel e teria dormido até que se sentisse recuperada… ou até que morresse. A alternativa era chegar a casa de Moselle antes de desmaiar, mas o carro tinha desmaiado antes dela.

Tinha enchido o depósito em Manteo, mas quando o motor tinha começado a fazer ruídos estranhos, desesperada, tinha procurado uma bomba de gasolina. Para sua infelicidade, as duas pelas quais tinha passado no caminho estavam fechadas.

E então, o carro tinha soluçado um par de vezes e tinha parado no meio da estrada. Com o vento e a chuva a baterem-lhe na cara, nem sequer tinha ouvido chegar a carrinha. Então, Sir Galahad, com o seu cabelo grisalho e o queixo quadrado tinha aparecido de repente e tinha tido que fazer um esforço para não se lançar nos braços dele e chorar até que se lhe secassem os olhos.

Esse facto era tão raro nela que tinha começado a pensar que estava realmente doente. Doía-lhe o corpo todo. Isso e a dor de garganta, o cansaço, a angústia… não se podia comportar de forma normal. Uma mulher normal teria desistido daquela ideia muito antes.

E aquele homem levava-a para casa dele. Não o conhecia de lado nenhum, mas estava a levá-la no seu alazão não sabia para onde. Ru, mais que ninguém, tinha razão para desconfiar de estranhos. Mas, naquele momento, não tinha forças para dizer que não.

O homem tinha saído da estrada nacional para seguir por um caminho rodeado de pinheiros secos. Quando finalmente chegaram a casa, esta não parecia mais inspiradora do que a paisagem. Era quadrada, sem graça, não tinha luzes nas janelas, nem fumo na chaminé. Parecia um sítio frio e deserto. «Onde é que se estava a meter?», perguntava-se, angustiada.

Naquele momento, Ru lembrava-se da casa onde tinha passado metade da sua vida. Uma casa de dois pisos, rodeada de magnólias, camélias e azáleas. Em frente à porta havia um pátio circular onde Colley, o mordomo, a tinha ensinado a patinar e a andar de bicicleta. O apartamento que tinha deixado há uns dias atrás, porém, tinha um quarto, ratos e baratas. Em comparação, aquela casa era um palácio sem bem que não tivesse uma chaminé a fumegar, nem flores nas janelas. Desde que houvesse uma cama para ela…

– Vou levar a sua mala para dentro para que possa mudar de roupa.

A mala, lembrou-se ela. Para além dessa, tinha outras duas e várias caixas, mas tinha ficado tudo no porta-bagagens do carro.

– Obrigada – disse ela, sem se atrever a dizer que naquela mala apenas havia sapatos.

– Depois encarregar-me-ei do seu carro, mas agora a melhor coisa que tem a fazer, é mudar de roupa. A casa de banho é ali – indicou o homem. Ela concordou. O simples facto de ir à casa de banho já lhe parecia cansativo. A única coisa de que precisava era de uma aspirina, uma cama e meia dúzia de cobertores. – Ainda não me disse como é que se chama.

– Chamo-me Ru – disse ela, quase sem voz.

– Desculpe?

– Ruanna – respondeu. – Mas tratam-me por Ru – Acrescentou. Era uma mistura dos nomes das suas duas avós, Ruth e Anna, mas quanto menos aquele homem soubesse sobre si, melhor.

– Ru. Muito bem. As aspirinas estão na casa de banho e, se quiser, pode tomar um banho quente. Eu vou preparar uma sopa.

 

 

A mulher não tinha melhorado de aspecto, pensava Trav vinte minutos mais tarde. Trazia a mesma roupa e só tinha mudado de sapatos. O seu cabelo, liso e pelos ombros, tinha uma cor entre o castanho e o louro. Pelo menos, tinha parado de tremer.

– Encontrou a aspirina?

– Sim, obrigada – respondeu ela, com voz rouca. – Desculpe o incómodo.

– Não se preocupe – disse ele, servindo dois pratos de sopa de legumes. Durante o jantar, teve a oportunidade de a observar mais de perto. Era mais jovem do que tinha pensado e os olhos eram uma mistura de cinzento e verde, como o musgo depois da chuva. Eram muito claros e podia ler neles o medo e o sofrimento. E também sabia que estava prestes a desfalecer. Provavelmente, teria utilizado as últimas forças que lhe restavam para bater no carro. – A propósito, telefonei para a oficina. Só podem ir buscar o carro amanhã de manhã. A tempestade chegou a Frisco e as estradas estão cortadas.

– Está bem – concordou a mulher. Até aquele gesto afirmativo a parecia magoar.