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Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.

© 2009 Kate Walker. Todos os direitos reservados.
CATIVA AO SEU LADO, Nº 369 - Março 2011
Título original: Kept for Her Baby
Publicado originalmente por Mills & Boon®, Ltd., Londres.

Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência.
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I.S.B.N.: 978-84-671-9566-8
Editor responsável: Luis Pugni

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Cativa ao seu lado

Kate Walker

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1

O calor do dia começava a desaparecer e refrescara ao fim da tarde. Agora, já quase noite, a ilha minúscula estava perdida em sombras, enquanto Lucy levava o barco a remos para a margem do lago e saltava para a areia.

A água chegava-lhe aos tornozelos enquanto puxava o barco para a praia, olhando para um lado e para o outro.

«Alguém a teria ouvido?», pensou. Não queria que a vissem antes de chegar a casa. Se o exército de homens armados de Ricardo a ouvisse e alguém fosse investigar estaria perdida antes de ter começado. Expulsá-la-iam da ilha e devolvê-la-iam à pensão minúscula e triste em que se alojara naquela semana.

Naquela semana desesperadamente vital para ela.

Se conseguisse ficar em Itália, claro. Assim que Ricardo soubesse que voltara, poderia decidir que a queria fora do país. Fora do país e fora da sua vida para sempre.

– Meu Deus...

Ao aperceber-se de que estava a suster a respiração, Lucy deixou escapar um suspiro longo e angustiado, passando uma mão pelo cabelo loiro e comprido que escapara da trança, enquanto olhava de um lado para o outro.

«Mas se alguém a tivesse visto, os valentões de Ricardo já estariam ali», pensou.

Suspirando, tirou os sapatos do barco e sentou-se na relva para os calçar.

Oxalá pudesse esconder o barco de alguma forma... Talvez o cobrisse com ramos e folhas secas. Mas não tinha forças para o puxar e os batimentos impacientes do seu coração incitavam-na a mexer-se o mais rapidamente possível.

Agora que estava ali, sabia que não podia atrasar-se mais. Esperara e planeara aquilo durante tanto tempo...

Desde que lhe tinham devolvido a carta que enviara a Ricardo, soubera que aquela era a única solução. Tinha de tratar do assunto e fazer a única coisa que podia fazer.

Tentara ser civilizada, mas isso não servira de nada. Tentara apelar a Ricardo, mas isso também não servira de muito.

De modo que se via obrigada a ir ali em segredo. Voltara à ilha como um ladrão, no meio da noite, ao único sítio onde conseguiria iludir os seguranças de Ricardo.

Avançando suavemente, em vez de remar para fazer menos barulho, conseguira chegar à praia sem que a vissem e agora só podia rezar para ter a mesma sorte enquanto se dirigia para a casa.

Passando sob os ramos de um cipreste enorme, Lucy descobriu que estava a conter as lágrimas enquanto olhava para a enorme villa enfeitada com bonitas varandas, balaustradas de mármore e degraus amplos, que levavam ao edifício de pedra branca que em tempos fora um mosteiro e depois um palácio.

As vidraças das janelas reflectiam os últimos raios de sol. Num dos lados, havia um torreão com frestas, de onde se viam as águas tranquilas do lago de Garda, a província de Verona a sudeste e a Bréscia ao oeste. Olhando em frente, estava a vila de San Felice de Be-naco, que dava o seu nome à ilha e à villa.

Um palácio espantoso, a casa fantástica que já fora o seu lar.

Mas já não era. Não fora durante muitos meses. E nem sequer lhe parecera um lar quando vivia lá...

Lucy tremeu, apesar do calor da tarde, quando as lembranças a assaltaram, lembranças da sua vida, quando não sentia que ali fosse o seu lugar.

– Não consigo fazê-lo – murmurou. – Não consigo enfrentá-lo...

Lucy abanou a cabeça, tentando afastar os pensamentos tristes. Tinha de enfrentar aquilo porque, no interior da casa, para além das lembranças horríveis dos piores meses da sua vida, estava o mais importante do mundo, a única coisa por que valia a pena viver.

Seguindo o caminho que tantas vezes percorrera enquanto vivia em San Felice, encontrou o portão que levava aos jardins e tentou abri-lo sem fazer ruído... Mas fez uma careta quando a velha madeira fez barulho.

– Por favor, que não venha ninguém – murmurou, enquanto corria para se esconder entre uns arbustos. – Que ninguém me veja.

Acabara de se esconder quando ouviu que se abria uma porta. Pensou que era a da sala. A mesma porta por onde ela escapara há sete meses, sem se atrever a olhar para trás, aterrorizada com o que poderia acontecer se alguém se apercebesse de que tentava fugir.

Buona sera...

A voz, que chegava do interior da casa, fez com que o seu coração parasse durante um décimo de segundo.

Ricardo.

Lucy reconheceu a voz imediatamente. Tê-la-ia reconhecido em qualquer lugar. Só um homem possuía aquele tom de voz tão grave, tão masculino.

Em quantos tons diferentes o ouvira pronunciar o seu nome? Divertido, brincalhão, furioso. E outras vezes cheio de ardor, transformando o seu nome em magia quando lhe chamava «Lucia, a sua paixão».

A sua mulher.

Sentiu um aperto no coração ao recordar essa palavra e o orgulho que Ricardo Emiliani sentira ao pronunciá-la. Ou, pelo menos, fora o que ela pensara.

– A minha mulher – dissera, segurando-lhe na mão para se dirigir para a porta da igreja, depois de o sacerdote os ter declarado marido e mulher. – La mia moglie.

E, durante algum tempo, ela desfrutara desse título. Desfrutara quando lhe chamavam «a senhora de Ricardo Emiliani». Enterrando as dúvidas e os medos que a assaltavam, Lucy sorrira até lhe doer o queixo, enquanto fazia o papel de esposa feliz que tinha tudo com que sonhara.

Quando, na verdade, no seu interior, sempre soubera a verdade, a razão por que Ricardo se casara com ela.

E o amor não tinha tido nada a ver.

– Se souberes de alguma coisa, telefona-me.

Surpreendeu-se que não falasse em italiano, mas na sua língua...

Com quem estaria a falar? E sobre o quê?

Um calafrio percorreu a sua espinha dorsal ao pensar que talvez tivesse cometido um erro ao voltar a San Felice. Ao escrever-lhe, por muito desesperada que estivesse, dera-lhe uma pista do seu paradeiro.

E Ricardo, sendo um homem imensamente rico, não teria a menor dificuldade em descobrir o resto. Se estalasse os dedos, teria um exército de homens ao seu dispor: detectives privados, investigadores, todos dispostos a fazerem o que tivessem de fazer para descobrir onde estava e...

E o quê?

O que faria o homem que, durante a sua última discussão, antes de ir para San Felice, declarara que casar-se com ela fora o maior erro da sua vida?

– Quero acabar com este assunto o mais depressa possível.

– Começarei agora mesmo. Os contratos estarão prontos para assinar amanhã.

A voz do outro homem devolveu-a à realidade.

«Estava a enganar-se», pensou. Porque é que Ricardo haveria de querer saber dela? O marido deixara-a ir sem protestar, não fora? Ninguém fora procurá-la para tentar convencê-la a voltar para San Felice. E o facto de ter devolvido a carta sem abrir, deixava bem claro o que Ricardo sentia.

Contratos e assinaturas, é claro. O que importava a Ricardo Emiliani, à excepção do seu negócio de venda de automóveis?

O marido não queria saber nada dela e nunca a perdoaria pelo que fizera, de modo que era uma tola se pensasse que algum dia poderia ser de outra maneira.

Lucy encolheu-se num canto, entre o muro da balaustrada e os arbustos, enquanto Ricardo descia os degraus que levavam ao jardim. Ao vê-lo, Lucy sentiu como se alguma coisa a tivesse golpeado no peito, deixando-a sem ar.

Mesmo de costas, continuava a ter tal impacto físico nela que era incapaz de desviar o olhar.

Ricardo também estava de costas da primeira vez que o vira, de modo que recordava bem a cabeça es-cura, orgulhosa, o pescoço bronzeado, os ombros largos, as costas poderosas e pernas compridas. Tal como agora, vestia umas calças de ganga tão gastas que se colavam à sua pele. Mas naquele dia na praia, há dois anos, não tinha camisa... Nem nada que escondesse a sua pele bronzeada. Também estava descalço, como agora. Parecia um turista e nada no seu aspecto exterior denunciava o homem poderoso que era.

E já estava meio apaixonada por ele quando descobrira a verdade.

Naquela noite, vestia um pólo branco, mas ela sabia o que havia debaixo do pólo porque o acariciara muitas vezes... E sentira muitas vezes como ele se excitava. Tocara no seu corpo com um desejo e um ardor desconhecidos até Ricardo a levar ao êxtase...

Não, não, não. Não devia pensar isso. Não devia recordar como uma vez respondera tão facilmente às suas carícias. Não devia pensar nisso ou teria acabado antes de começar. O seu plano ficaria destruído antes de poder levá-lo a cabo.

Fora lá por uma razão e era...

Um ruído novo e inesperado interrompeu os seus pensamentos. Mas, por um instante, pareceu-lhe ser um eco do que havia no seu coração, como se o tivesse conjurado, como se fosse um sonho.

Mas então ouviu o som novamente: o choro de um bebé.

E o mundo abriu-se sob os seus pés, deixando-a fraca e enjoada. Com uma mão, Lucy agarrou-se aos arbustos enquanto a sua cabeça dava voltas...

– Não...

Um gemido escapou da sua garganta. Não podia ser real. Devia tê-lo imaginado. Mas quando abriu os olhos e pestanejou para se acalmar, reparou na posição dos braços de Ricardo, como se segurasse alguma coisa. E, ao ver o carinho, a atenção que prestava enquanto segurava a sua pequena carga, Lucy sentiu um novo aperto no coração.

– Cala-te, caro...

Uma vez mais, aquela voz rouca fez com que o seu coração quase parasse.

– Hora de dormir, figlio mio.

Ricardo virou-se então, deixando-a ver o que segurava... E o que viu fez com que Lucy sentisse um aperto enorme no coração, como se uma mão cruel tivesse entrado no seu peito, para o apertar grosseiramente.

Agora conseguia ver o cabelo suave, preto como o do pai, a cabecinha relaxada.

E porque não? A criança estava a salvo ao colo de Ricardo, embora uma vez Lucy tivesse temido que não estivesse a salvo nos seus braços.

– Oh, Marco...

A sua visão toldou-se quando as lágrimas apareceram nos seus olhos. A dor que sentia partia-lhe o coração em mil pedaços.

Sem perceber, estendera uma mão, como se pudesse tocar na criança, a razão por que estava ali. A única pessoa no mundo por quem se atrevera a enfrentar a raiva de Ricardo, a fúria e o ódio que brilhariam nos seus olhos se a encontrasse ali.

Pensara que nunca mais voltaria a ver o marido e resignara-se com esse facto. Mas nunca conseguira resignar-se a não ver o bebé que amava com todo o seu coração. O bebé de que não pudera cuidar.

O filho de Ricardo... E o seu.

O seu filho.

2

O filho estava a alguns metros dela.

E nunca na sua vida a frase «tão perto e, no en-tanto, tão longe» fora mais acertada. Estava tão perto que, se desse alguns passos, estaria ao seu lado. Poderia olhar para ele e ver como crescera, como mudara... Porque tinha de ter mudado nos meses em que ela estivera fora.

Talvez pudesse sair do seu esconderijo e pegar nele ao colo...

Não!

Nem em sonhos se atreveria a ir tão longe.

Sabia que Ricardo não a deixaria aproximar-se do filho e, no fundo do seu coração, Lucy sabia que seria uma tortura. Como conseguiria ter uma ligação com o filho depois de tanto tempo?

Também sabia como todos olhariam para ela, como Ricardo a veria. Que boa mãe abandonaria o filho, deixando-o sozinho com o pai?

Demorara muito tempo a aceitar que estava doente, a reconhecer que não havia alternativa. Os médicos diziam que já estava bem... Mas Lucy não tinha a certeza.

Umas lágrimas ardentes apareceram nos seus olhos, toldando-lhe a visão. A única coisa que sabia era que estar naquela situação, tão perto, mas tão longe, e não dizer nada, era o pior para uma mãe.

Sentia como se o seu coração ferido se partisse em mil pedaços, que caíam sobre o pavimento, a seus pés. E, no entanto, fora lá por isso. Chegara à ilha sem que a vissem, iludindo a segurança de Ricardo, só para isso. Para ver o seu filho.

Mas não estava preparada.

E muito menos com os frios olhos de Ricardo Emiliani a julgarem tudo o que fazia.

De modo que se virou e começou a andar sem ver para onde ia, em direcção ao lago, esperando chegar à praia, ao bote, antes de a dor ser tão grande que ficaria inconsciente.

O rangido de um ramo seco ouviu-se como uma explosão no meio da noite tranquila. Era impossível que o marido não o tivesse ouvido e Lucy ficou tensa, preparando-se para o inevitável.

– Quem está aí? – a voz de Ricardo era brusca e fria, em comparação com o tom carinhoso que usara há alguns minutos.

Sem se atrever a olhar para trás, Lucy pôs-se entre uns arbustos com a esperança de se esconder.

– Pare! Marissa!

Lucy ouviu passos nos degraus que levavam ao jardim.

– Leva Marco...

Depois disso, começou a correr com todas as suas forças, sem ver para onde ia. Os ramos das árvores batiam na sua cara, mas não importava. A única coisa em que podia pensar era em fugir dali, chegar ao barco e afastar-se o máximo possível da ilha. Tudo para não ter de enfrentar o frio e implacável Ricardo.

– Pare!

«Como chegara ao seu lado em segundos?», pensou, angustiada. Ricardo devia ter deixado a criança nas mãos da ama...

Mas quando ouviu passos atrás dela, o seu coração começou a acelerar.

– Giuseppe... Frederico!

Lucy olhou por cima do seu ombro e viu que Ricardo tirara o telemóvel e estava a falar enquanto corria, dando ordens em italiano.

«Estava a chamar a segurança», pensou, aterrada. A chamar os guarda-costas que vigiavam a ilha, protegiam a sua privacidade e verificavam se a criança estava sempre a salvo.

E agora estava a lançar os seus cães contra ela.

Lucy conhecia bem aquele tom autoritário, porque o ouvira muitas vezes quando Ricardo e ela estavam juntos. A equipa de segurança falhara e estava furioso.

Ricardo Emiliani não tolerava o fracasso e alguém pagaria por isso.

Mas Lucy não queria enfrentar um Ricardo furioso. Fora lá para tentar falar com o marido, era verdade, mas planeara fazê-lo contando com a vantagem da surpresa. Enfrentá-lo agora seria uma coisa totalmente diferente.

Ver o pequeno Marco destruíra o escudo protector que levantara ao longo dos meses, de modo que tinha de sair dali e reunir forças novamente antes de se atrever a tentá-lo outra vez.

A praia em que deixara o bote estava a alguns metros. Se conseguisse chegar lá, fazer um último esforço, forçar as suas pernas cansadas...

Mas sair da ilha ia ser muito difícil agora que a tinham descoberto.

Lucy correu com todas as suas forças, ofegando. Não via por onde pisava e tropeçou numa pedra, quase caindo.

Começou a cair, mas algo a deteve.

Quando sentiu que perdia o equilíbrio, convencida de que ia cair no chão, uma mão segurou firmemente o seu braço.

– Já te agarrei!

Lucy tentou manter o equilíbrio precário antes de cair para o outro lado, nos braços do marido. Mas, embora ele tivesse de recuar, não soltou o seu braço.

– Quem és?

Ela não conseguia responder porque tinha a boca seca e o coração na garganta.

Ricardo empurrou-a um pouco para trás para olhar para a sua cara...

– Tu! – exclamou.

Lucy teve de juntar toda a sua coragem para olhar para a cara dele.

– Sim, sou eu – conseguiu dizer, num tom desafiante.

Seguiu-se um longo silêncio depois da sua res-posta, até Ricardo murmurar:

– Lucia...

O seu nome. Ou, melhor, o seu nome em italiano. Ricardo pronunciara-o com os dentes cerrados e, quando olhou para aqueles olhos pretos, o gelo que viu fê-la tremer.

– Lucia.

E dessa vez não havia dúvida de que estava furioso. O veneno injectado nessas sílabas fê-la tremer de cima a baixo enquanto tentava soltar-se.

– O que demónios estás a fazer aqui?

«Não lhe digas a verdade.»

«Não digas uma palavra sobre Marco. Se lhe deres essa arma, usá-la-á contra ti.»

– O que achas que estou a fazer?

Conseguira pôr uma nota de desafio na sua voz. Até conseguiu erguer o queixo num gesto de rebelião, que não tinha nada a ver com o que realmente sentia. Porque nos olhos pretos de Ricardo não havia luz, nada que pudesse dar-lhe uma pista do que sentia.

–Certamente, não vim para retomar o nosso casamento.

–Como se eu pudesse pensar que estás aqui para isso.

O tom de Ricardo era frio, mas controlado, como se se recusasse a pôr uma emoção real nas suas palavras. E embora não tivesse soltado o seu braço, Lucy apercebeu-se de que não pensava no que estava a fazer.

–O nosso casamento acabou. Tinha acabado antes de começar.

Desde que a acusara de o ter caçado, de ter ficado grávida de propósito para pôr as mãos na sua fortuna.

– Bom, ambos estamos de acordo nisso.

Lucy puxou o braço para se soltar, mas Ricardo segurou-a com força.

– Então, porque vieste?

Finalmente, estava a recuperar da surpresa. Finalmente, aceitava que Lucy estava ali, ao seu lado. Lucia, que não quisera voltar a ver durante o resto da sua vida. A mulher que decidira enganá-lo, rir-se dele. A mulher que pensara que desaparecera para sempre, que saíra da sua vida.

E, no entanto, ali estava, à frente dele, com um brilho de desafio nos seus olhos azuis.

«Não mudara muito», pensou, embora não quisesse saber. Nem sequer queria olhar para a sua cara e ver a beleza que uma vez o cativara... E o enganara como um parvo. Uma beleza que uma vez o fascinara de tal forma, que se esquecera das suas regras, das suas pautas de comportamento.

Mais do que esquecer. Acabara por infringir todas e cada uma delas, transformando a sua vida num inferno de que só queria escapar. Da única vez que esquecera essas regras, vira-se apanhado por uma caçadora de fortunas, disfarçada de inocente.

E não tencionava deixar que isso acontecesse outra vez.

Perdera peso e agora, mais magra, o seu rosto era mais anguloso, menos infantil. Não seria humano, nem um homem, se não sentisse uma certa pena ao ver que as suas curvas eram mais suaves agora, menos exuberantes.

Mas estivera grávida durante quase todo o tempo que tinham passados juntos e, naturalmente, então, tinha uma figura mais roliça. Se não estivesse grávida não teria casado com ela, um casamento que acabara por lamentar amargamente. Não, não devia ter casado com uma mulher que acabara por detestar.

–Se me soltares, talvez possamos falar como seres civilizados.

–Civilizados! – repetiu, desdenhoso. – Não é essa a palavra que me ocorre agora.

Havia outra palavra que lhe ocorria quando pensava em Lucy Mottram. «Civilizada» não descrevia uma mulher que ficara grávida de propósito, para prender um marido rico que abandonara quando o filho tinha menos de dois meses de idade.

–E não é a palavra que eu usaria para descrever o teu comportamento.

–E também não é civilizado manter-me prisioneira só porque és mais forte do que eu.

–Mas se te soltar, fugirás e não saberei o que andavas a fazer aqui.

– Prometo não fugir – disse Lucy.

«Seria um parvo se acreditasse», pensou Ricardo que, no entanto, afrouxou um pouco a pressão. Mas pelo canto do olho viu que Giuseppe e Frederico tinham chegado finalmente, os seus guarda-costas ineficazes, de modo que podia relaxar.